Por favor tira-me do sério.

Só mais uma vez. Cala-me, leva-me para casa e tira-me do sério. É tudo o que eu te peço. Percorre o meu corpo lenta e suavemente com as tuas mãos como quem me ama só para depois me agarrares com a brutalidade de quem me odeia. Por favor faz tudo o que fazias sem subtrair nem somar. Esquece e faz-me esquecer a forma vulgar e vil como foste embora e relembra-nos aos dois de tudo o que veio antes. Cada toque, cada olhar, cada suspiro e cada grito de prazer.

Não me tentes manusear como manusearias uma boneca de porcelana. Sabes muito bem que nunca fui frágil e indefesa entre quatro paredes, apesar de fora delas me teres deixado cair ao chão com a maior leviandade do mundo e observado atentamente, sem fazer nada a não ser o que já estava feito, enquanto eu me transformava em cacos que separados acabaram por se tornar tão inúteis quanto a esperança que guardei durante muito tempo de que um dia voltasses a ser meu, verdadeiramente meu. Hoje não preciso da tua condescendência nem tão pouco do teu arrependimento. Hoje quero-te tal e qual como te conheci: frio, calculista, interesseiro. Não procuro em ti uma mudança radical ou um milagre, a pouca fé que tinha em Deus desapareceu quando tu desapareceste.

Faz-me tudo aquilo que me fazias da forma como o fazias, sem receios, sem pedidos, sem avisos. Não te preocupes, não vou exigir nada na manhã seguinte. Sei perfeitamente que uma recaída não é um recomeço e já me habituei à ideia de que nunca mais vou receber uma mensagem tua com as palavras foleiras que me costumavas dirigir assim que acordavas, “bom dia, flor do dia”. Essas estúpidas palavras que luto desesperadamente para esquecer. Por isso, empurra-me deliberadamente contra o armário do teu quarto enquanto passas os teus lábios na minha testa, na minha boca, no meu pescoço, no meu ombro, no que quiseres até chegares às pontas dos meus pés, e, quando me ouvires gemer, não penses duas vezes antes de me deitares na secretária, ou na cama, ou no chão, onde quiseres até me teres tido em todos os sítios onde outrora já me tiveste vezes e vezes sem conta. Por favor tira-me do sério como só tu sabes tirar. Só mais uma vez.

– Raquel Simões

1 comments

  1. Flavio Melo · Agosto 10, 2015

    Adorei

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